sábado, 16 de outubro de 2010

Tapa na cara da sociedade (dos poetas mortos)

Em coisa de um mês de blog vocês já me viram falando "mal" do Dostoievsky (saúde), do Joyce, da Pagu, da Cecília Meirelles, do Garcia Marquez, e a gente nem tocou no assunto do Saramago e da Clarição. Nego aqui já deve estar achando que eu sou ICONOCLASTA, e/ou que eu tou falando tudo isso só pra CAUSAR. Juro que não, gente.

Eu tenho respeito pela cânone da literatura. Juro. Se um autor conseguiu ultrapassar o filtro do tempo e é considerado um pilar, ele tem que ter algum motivo pra estar lá. Mas pô, eu me dou o direito de não gostar ou achar chato. A maioria dos nego metido a culturete não se atreve a admitir que não gostou de qualquer coisa dos autores do cânone, de medo de parecer ignorante. A gente não precisa babar ovo, também.

Peguemos, por exemplo, a minha lendária birra com o James Joyce. 90% do meu problema com ele é que eu não consigo ler esse desgramado.

E até ela consegue, meu deus!

Agora, estimado leitor, olha no meu olho e conta a verdade pra mim: você consegue? Dubliners não vale, é texto linear. A partir do Retrato do Artista, quantos você leu, hein? HEIN?
As estatísticas do instituto datadani comprovam: a partir do momento que você assume que levou 5 anos pra ler o Retrato e mal passou da capa nos outros, as pessoas começam a admitir que nunca leram. É um lance meio A Roupa Nova do Rei, precisa alguém gritar que sua majestade tá peladão, ali. Eu conheci, de verdade, uma meia dúzia que chegou até o fim do Retrato (6,8 pontos na escala James Joyce de ininteligibilidade), umas duas pessoas que leram Ulysses (8,1 pontos), a duras penas, e NENHUMA que leu o Finnegans Wake (o grau máximo da escala, com 10 pontos, somente ultrapassado por textos jurídicos e letras do Djavan).

Perceba que, fora chamá-lo de desgramado, eu não estou falando mal do Joyce. Tou dizendo que ele é difícil, complicado. Tou dizendo que a leitura é chata, arrastada. Tou dizendo que nem a própria mulher leu os livros dele, por que eu deveria ser OBRIGADA a ler? Agora, fatão: sem Joyce nós provavelmente não teríamos tido Guimarães Rosa, e sem Guimarães Rosa eu não teria essa liberdade de escrever misturando a segunda e a terceira pessoas, por exemplo. A importância de uma obra do cânone transcende a obra em si: cada autor, cada livro que trouxe uma inovação abriu uma porta que nós, mortais, provavelmente passaríamos a vida sem enxergar. Eu sou grata a Joyce por ter aberto uma boa dúzia de portas, mas isso não me impede de ainda ter vontade de dar com uma tábua de compensado na cabeça dele.

7 comentários:

  1. É foda mesmo..hahahaha...Conheço um sujeito que considero o maior cabeção de todos os tempos e q é uma das 3 pessoas q conheço q entendeu ( mesmo) Ulisses. Ele chamou uma galera, para lermos juntos o Finnegans e tentar, coletivamente facilitar o entendimento. Após, 5 horas e uma página, jogamos a toalha.

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  2. tem uma tradução do finnegans relativamente recente na mario de andrade. são CINCO volumes, e metade do texto são notas de leitura - METADE, SEM EXAGERO NENHUM, JURO POR GENÉSIO.

    ele levou 17 anos pra escrever o finnegans. suponho que uma pessoa normal precise de uns 170 pra entender.

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  3. Tu já tentasse o david foster wallace? Eu li o primeiro capítulo de infinite jest e não achei exatamente difícil, mas também passa se arrastando mais que dia de semana quando você tá ansioso pelo sábado.

    Vou dizer que fiquei levemente curiosa pra ler sua opinião sobre Clarição (vou adotar esse nome de tratamento carinhoso pra vida).

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  4. Olha, eu li "Ulisses", e o segredo é se deixar levar pela leitura: ele sequer foi feito pra ser algo tão cabeçudo. Não tente entender tudo, todas as referências os neologismos, etc., apenas tente curtir. Tem partes bem legais, como a do enterro, e coisas obviamente maçantes, o que´e normal numa obra desse porte, e experimental ainda por cima.

    Um dia leio Finnegan's Wake. Eu acho.

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  5. mariana, não tentei não. mas se tu tá dizendo que não é difícil, mas a leitura se arrasta, eu acho que não é pra mim não.

    vanzo, é umas. pode ser que eu esteja tentando catar cabelo em ovo, mesmo. e eu só peguei a tradução do houaiss, já me disseram que até o original é mais fácil. o ulysses do houaiss dá derrame, dizem.

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  6. Joyce é aquela coisa que eu me prometo ler um dia, mas nunca começo. Sei como é, já folheei várias vezes nas estantes das livrarias da vida, mas nunca me atrevi a começar.

    Um dia eu começo.

    Agora, GG Márquez, Saramago e Dostoiévsky são meus heróis. Não fala mal do '100 anos de solidão' não, é pecado.

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  7. hahahah! demais! Eu adoro o FW mas ele não passa de uma estátua na minha estante com cabelos de meduza me perguntando "quem é a estátua hein?". Sem falar da sensação eterna de não passar da primeira frase. Mesmo começando pela última (já ouvi dizer que essa era a intenção). Joyce é um grande filho da puta, mas sem ele não teríamos Leminski.

    Gostei do blog!

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