terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Último Mamífero do Martinelli - Marcos Rey

Vocês entenderam direitinho, sim. Eu disse Marcos Rey, o cara da Coleção Vaga-Lume. Não me olha desse jeito. A minha geração toda (e, creio, a anterior e a posterior também) não aprendeu a gostar de ler com o Machadão, nem com o abominável José de Alencar, que a gente só lia por que nos obrigavam. As palavras cabeludas, as frases cheias de idas e voltas barrocas, como é que um adolescente sem base e sem vocabulário não acharia isso chato? Mas a maioria dos meus colegas, eu me lembro, até curtia quando caía na prova algum livrinho da Vaga-Lume. Eram todos curtos, quase todos escritos em linguagem direta e atual, exceto por alguns anacronismos (Éramos Seis? Meu Pé de Laranja Lima? Pô!). É graças a essa coleção que, nos meus longos doze anos de vida, eu pude dizer pela primeira vez que tinha um autor favorito: Marcos Rey. Um autor e um gênero, aliás: já naquela época eu podia afirmar com toda certeza que adorava livros policiais, e ainda amo. Conheci outros autores e fui formando meu cânone pessoal ao longo do tempo, mas sempre sobrou um cantinho no meu coração para os livrinhos acessíveis e gostosos de ler do Marcos Rey. Como Monteiro Lobato, ele também teve uma vasta produção de literatura "séria", por assim dizer, mas ficou mesmo marcado pelos infanto-juvenis. O Último Mamífero do Martinelli foi o único livro adulto dele que eu cheguei a ler, e um dos últimos, de 1995.

A novela se passa na época da ditadura. O protagonista é um perseguido político, mas isto, na trama, é só um detalhe que justifica as circunstâncias. Em vez de cruzar a fronteira ou se esconder no interior, ele procura abrigo no Martinelli, o primeiro arranha-céu de São Paulo, então abandonado. Ele se torna uma espécie de arqueólogo urbano enquanto vasculha o prédio em busca de coisas para vender; uma inscrição num banheiro, o papel de parede em um boudoir, um buraco de bala, um piano - cada um desses vestígios conta uma história, que ele reconstrói. O livro é formado desses pequenos contos de um passado possível, misturados à sua própria fuga e batalha por sobreviver. Aos poucos, as histórias do prédio e a realidade vão se misturando, e ele começa a confundir seu mundo ficcional com o mundo lá fora, até culminar num final surreal, insano - que eu não vou contar, é evidente.

É curtinho (por isso novela, e não romance: formalidades de tamanho), você lê de uma sentada só (opa). Não anda muito fácil de achar, mas não está esgotado; em sebos e algumas livrarias online ele ainda está no estoque. Se Marcos Rey te traz boas memórias de um tempo em que as notas eram sua maior preocupação na vida, você vai curtir, e mesmo sem o argumento da nostalgia, é um bom livro. Vale a pena.

4 comentários:

  1. Obrigada pela dica! Não sabia da existência desse livro, vou procurar para ler! Beijos.

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  2. Eu bem mais novo, Um defeito meu não seu.rs, não li no colegio li bem mais tarde Marcos Rey, roubando livros da minha irmã!! adorei a dica!

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  3. Ola, faço minha as suas palavras. Eu li todos os livros de Marcos Rey e amei cado um deles. Voce descreve muito bem o que foi minha juventude, eu sempre li muito, tanto os livros chatos obrigada pela escola como os que eu mesma escolhia. Lia de tudo. Conheci o mundo pelos livros que eu lia de escritores brasileiros, americanos e tantos outros. Lindo texto. abraços

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  4. Sou apaixonada por esse livro desde que li aos 15 anos. Até hoje procuro para minha biblioteca, mas nem em ebook encontro. Gostaria muito de reler.

    Ah, e também indico "Memórias de um Gigolô", outro livro adulto do autor. Esse teve até mini série produzida antes de eu nascer. Mas é poético, engraçado, criativo, tudo o que e bom livro deve ser.

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