quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O Centauro no Jardim - Scliar

Sério? O Moacyr Scliar, aqui na minha very own humble opinion, talvez seja o maior escritor brasileiro vivo (e só fico nesse "talvez" por que eu não manjo tanto assim dos contemporâneos, então posso estar deixando alguém passar aí). Eu sempre gostei à beça dos contos dele, acho leves, bem escritos, bem humorados. E os romances não deixam por menos, apesar de eu não ter lido tantos. Nos "longa-metragens" ele tem tempo de encher parágrafos e parágrafos com descrições riquíssimas de cenários, de desenvolver o diálogo interno dos personagens, e a leveza e o bom humor permanecem

O Centauro no Jardim é de 1980, e é um dos mais conhecidos dele. Chegou a ser traduzido pra várias línguas, até. O livro é narrado em primeira pessoa pelo caçula de uma familia judia russa, que veio se instalar no Rio Grande do Sul fugindo dos pogroms. Quando eu peguei pra ler, achava que o centauro do título era metafórico, mas não: o protagonista é um guri que nasceu meio potrilho, de verdade.

Ele passa a infância e a adolescência mais ou menos como um garoto deficiente daquela época sem melindres politicamente corretos passaria: escondido na fazenda, com vergonha, medo da reação do povo. O pai, as irmãs, o enchem de atenção como forma de compensar pela sua "deficiência"; o irmão morre de ciúmes. Entre a fazenda e a mudança para Porto Alegre - provocada por um vizinho, que descobriu o segredo, e justificada com um "na cidade ninguém liga para nada" - ele vai se tornando um garoto introvertido, estudioso, sonhador. Chega a se apaixonar, como é possivel prever; platonicamente, como é impossível evitar. Uma garota da vizinhança que mora numa casa riquíssima e tem um amante, e que ele espia, voyeur, pelo telescópio. Quando descobre que a moça tinha um amante, pira e foge de casa.

Guedali - pois é esse o nome do nosso herói - vaga pelos pampas, sem rumo. Ele passa fome e frio, mas isso rende umas descrições maravilhosas da paisagem dos sul, então dane-se se ele tá sofrendo ;). Se você é um sucker por descrições detalhadas e bem feitas, como eu, vai gostar muito. Ele passa um breve interlúdio com um circo - dizia que as patas eram uma fantasia, que tinha um irmão seu atrás, que nunca saía por que era deformado. Foge quando a domadora hipersexuada percebe enfim que ele é meio cavalo, e não no bom sentido. Nas suas errâncias, se depara com o amor na forma de uma centaura (sim!) em fuga. É Tita, correndo do ataque (incestuoso? bestial?) de seu pai de criação. Mata o cavaleiro negro, salva a princesa, que será sua para sempre - mas a história mal começou. Aliás, há vários pontos em que a história poderia terminar, e um autor mais impaciente poderia ter usado a mesma premissa pra um romance bem menos profundo e muito mais curto. Há uma cirurgia para extirpar o cavalo, há a mudança para São Paulo, há o nascimento dos gêmeos, e eu poderia também contar sobre o terceiro centauro ou sobre a esfinge, mas estragaria a história. Só conto que a coisa permanece tensa até o fim, e mesmo no fim. E mais não digo.

Duas coisas dignas de nota. Eu realmente não entendi o lance do cavalo com asas, citado umas 3 ou 4 vezes no correr do livro, mas isso pode ser caso pra reler com mais um pouco de atenção. Outra coisa que eu achei meio fora de contexto, talvez, foi um excesso de referências a sexo - e, olha, cês sabem que eu curto uma sacanagem, mas achei muita coisa desnecessária. Não sei, a coisa pode ter o seu papel na hisória - o autor bate muito na tecla do instinto, dessa energia sexual do centauro. E também pode ser por que é um livro escrito nos anos 70, então né. Se algum de vocês o leu e tem algo a dizer sobre essas questões, por favor, opine, por que é pra isso que serve esse blog. De qualquer maneira, é um livro que eu quero revisitar com calma num futuro.

3 comentários:

  1. talvez o cavalo com asas sja por ele ser um replicante (eles também são de POA, né? :)

    mas amo o scliar, comecei lendo o 'exército de um homem só', acabei passando por quase todos os outros dele! é, sem dúvida, um dos maiores escritores brasileiros!

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  2. no livro explica que o cavalo alado é como se fosse uma criatura que protege os centauros, como um anjo da guarda.

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  3. Acabei de ler o livro. Achei bem interessante, lembra um pouco Kafka e um pouco o Garcia Marquez. Mas a tentativa de desconstruir o mito no final é estranha, é como prometer uma barra de chocolate pro leitor e dar só uma balinha. A explicação "científica" não convence (dentro da estrutura do romance, fique claro). Esse negócio de deixar para o leitor escolher o final é coisa de político, não de artista.

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