Eu demorei para ler Lolita. Vi o filme muito antes, e, na real, detestei. Não sabia precisar se foi por que a história do tarado sujo com a vagaba juvenil me incomodava, ou se, pecado dos pecados, foi por que eu não sou lá muito fã de Kubrick. Enfim, o fato é que demorou muito tempo para eu encarar o volume, por que já tinha esse preconceito na cabeça, e oh boy I so was wrong.
Nabokov já sai deliciosamente bem com as deliciosas aliterações de um dos começos de livro mais citados entre os começos de livro da história dos começos de livro - Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta (em inglês é mais gostoso ;) - e já vem logo depois com aquele spoiler maneiro do final do livro - só um assassino para ter um estilo tão floreado.
Humbert Humbert, expatriado francês e pedófilo contumaz, vai parar numa cidadezinha da Nova Inglaterra, depois de alguns capítulos dedicados a sua vida pré-Lolita. Hospedando-se na casa de uma viúva, Charlotte, se apaixona à primeira vista por sua filha, Dolores Haze, uma guria de doze anos. Uma guria de doze anos que era a própria imagem de Annabel Lee, sua primeira paixão. Ele criança, ela criança, num principado à beira mar, - a referência ao Poe é tão óbvia que é covardia - tentando acalmar a fúria dos hormônios longe da vista dos grandes, sem conseguir; e ela morrendo um ano depois, cristalizando sua imagem no coração de Hubert, que agora procura uma Annabel Lee em todas as amantes que encontra. E o filme, senhores, o filme omite vergonhosamente esse background poético da perversão do nosso "herói".
O resto, o filme resume razoavelmente. Humbert se casa com a viúva Haze, para ficar perto de Lolita; Charlotte encontra o diário dele, pira, corre da casa e é atropelada. Aí vem viagem pelos EUA - onde viram amantes -, a mudança para outra cidade, a fuga de Lolita. O reencontro, o assassinato. Ok. Ok, mas...
Primeiro, que o filme ignora sumariamente todo o delicioso, doentemente bem-humorado diálogo interior de Humbert Humbert. Que se corte alguma coisa da história para espremer um livro de 300 páginas em umas duas horas de filme, é compreensível, mas a coisa foi longe demais. Esquecer a história da Annabel Lee foi um pecado mais feio do que a fornicação com pré-adolescentes. Pior ainda do que isso tudo foi o jeito de contar a história (ao contrário do livro, que é bem sensato), que dá a entender que foi a mini-vagaba Lolita quem seduziu o velho e fraco Humbert, que foi encantado, manipulado e transformado em assassino por essa pequena Lilith mascadora de chiclete. A moral da história, senhores, é que se você tem uma vagina, a culpa vai ser sempre sua, ainda que você seja uma criança.
P.S.: As imagens que ilustram o post são do Balthus, esse polonês tarado. Tem uma galeria muito bacana com 150 capas de Lolita aqui.
P.P.S: O filme de que falo é o primeiro, de 1962, do Kubrick. Tem uma versão recente, de 98, com uns fodões tipo o Jeremy Irons e a Dominique Swain, mas cheira a blockbuster e eu não me animo a ver. Alguém?