terça-feira, 12 de outubro de 2010

Orlando - Woolf

Virginia Woolf é uma dessas autoras de que se conhece mais da vida do que da obra. Eu mesma, já li em tantos lugares tantos detalhes sórdidos da biografia dela, mas livro, mesmo, que é bom, só tive coragem de ler um. E por desencargo de consciência.

Orlando foi uma leitura arrastada, mas eu segurei até o fim. Meu critério para desistir ou não de uma obra considera três fatores: a) o livro é ruim (mal escrito, história besta, etc)?; b) é tão ou mais difícil que Ulysses?; c) é, pelo menos, mais curto que Ulysses? O livro é bom; é um pouquinho mais fácil que Ulysses, marcando 7,1 pontos na escala James Joyce de ininteligibilidade; e é, aleluia, mais curto. Se bem que, mais longo que Ulysses, acho que só o Em Busca do Tempo Perdido e o Dicionário Houaiss. Além do que, Orlando usa 250 páginas para descrever mais de três séculos, enquanto Ulysses leva 800 pra descrever um único dia, o que me leva a crer que Joyce provavelmente seria um puta flooder no twitter.

Orlando, nosso protagonista, é um nobre inglês portador da abominável doença da literatura. Na história ele vive do século XVII ao XX e isso soa como uma coisa absolutamente normal (vai vendo). Durante sua longa e breve vida (porque, no fim do livro, em 1928, a personagem só tem 36 anos - vai vendo), ele foi mordomo e amante da rainha Elizabeth, se apaixona e é abandonado por uma princesa russa, por desgosto se isola da corte, vai como embaixador para Constantinopla pra fugir de uma stalker, vira mulher, foge com os ciganos e... Você disse "vira mulher", Dani? Falei, sim. Então, ela foge com os ciganos, volta pra Inglaterra e... Mas explica direito esse lance, Dani. Já vou. Volta pra inglaterra e começa a conviver com os luminares da literatura do tempo, Pope, Addison, Swift, mas Dani, já vou, porra!, casa com um capitão explorador, compra uma bicicleta, tem um filho e publica um poema. Ufa.

Aquele lance de virar mulher (Já não era sem tempo. Cala a boca!). Acontece no meio da história, durante uma revolta na Turquia. Do nada. Orlando dorme (homem) por sete dias, há um interlúdio com três representações mitológicas da Virtude, aí ela acorda mulher. Acabou. Não é tão simples, claro, há toda uma implicação na história. Sendo mulher e tendo sido homem, ela tem toda a experiência e o jogo de sensibilidades de ambos os sexos. Mas a galera toda no livro trata o fato como se fosse grandes bosta. Pois é.

Mais importante que o lance transformista é o tal poema que ela publica no fim do livro, já no século XX. Orlando, como eu disse, sempre foi uma vítima dessa doença que é a literatura (Woolf usa exatamente o termo "doença"). Começa lendo, depois cai na desgraça de escrever; queima toda a sua produção depois que Nick Greene, um escritor da época elisabetana, tira um coco com sua cara. Tudo, exceto um poema chamado O Carvalho, a primeira coisa que escreveu e que vai editando no decorrer dos séculos. No século XX, o mesmo Nick Greene (é), agora um aristocrático professor de literatura, lê a obra e quase obriga Orlando a publicá-la. O episódio do poema e o próprio carvalho, a árvore, devem ser uma metáfora pro aprendizado, pra vida, pra literatura, yadda yadda yadda. Eu deixo isso pra quem entende. Prefiro só achar bonitinho.

Orlando, pelo que me informaram, é um dos livros mais acessíveis da Woolf, o que me motivou fortemente a não procurar mais nenhum dela. É semi-biográfico, baseado na vida de uma das suas amantes e, dá pra perceber, na sua própria. A tradução que eu li, da Cecília Meireles (nem sei se tem outra), tem um ranço de Cecília Meireles. Não gosto, mas sou obrigada a admitir que traduzindo até que ela não funciona assim tão mal. Ela tem o domínio da língua, isso é um fato incontestável, mas eu a acho tremendamente babaca e não há nada que se possa fazer a respeito. Agora, usando esse domínio da língua a serviço das palavras não-babacas de outra pessoa, a coisa flui muito bem.
Um dos meus objetivos de vida é me aposentar (ou ser presa?) pra ter tempo de ler com calma os originais de algumas obras que eu acho fodas (tanto no sentido de "do caralho" quanto no sentido de "difícil pra caralho"). Orlando é uma delas.

6 comentários:

  1. ah, que pena que vc decidiu nao ler mais nada. Eu sou apaixonada por Mrs Dalloway - mas é muito pessoal, pq e' um livro relacionado com outro que eu amo (The Hours), e pq eu reconheco os cenarios e a atmosfera toda facilmente. Tenta. xx

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  2. Olá.
    Eu fiz uma brincadeira contigo pelo twitter e acho que você pensou que eu estava querendo ser engraçadão ou algo do tipo. Não foi nada disso.
    Só havia ficado curioso com o conto que está escrevendo e fiquei um pouco sem graça de pedir pra você, uma vez que nem te conheço.
    No mais, acompanho seu blog e (acompanhava antes de ser bloqueado) seu twitter também.

    Perdão pelo mal entendido.
    Um abraço.

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  3. você toma cuidado com o que fala, por que NEM TE CONHEÇO é uma das coisas mais ofensivas da linguagem contemporânea. teu retweet depois pra mim só fez confirmar que tu tava de zoeira comigo, e eu só dou esse tipo de liberdade pros meus amigos. NEM TE CONHEÇO, afinal.

    se quiser, me passa de novo o teu twitter que eu desbloqueio. mas toma cuidado com o que escreve usando a minha @. por que eu não sou obrigada.

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  4. glittah, eu não tou afirmando categoricamente que JAMAIS vou ler woolf de novo. mas é que eu preciso economizar célebro, entende? ;)

    se eu resolver ler mais alguma coisa dela, vou procurar sim o mrs dalloway :)

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  5. ei dani, o 5 me avisou que vc tava escrevendo um blog de contos, e passei pra ver. gostei muito do último post do violeta inexistente e vou passar a acompanhar o literalmenta pra ver se aproveito as dicas.

    beijos!

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  6. Adorei o livro, e hoje, vendo o filme, vim na internet em busca de ecos do que senti lendo/vendo esta complexa obra woolfiana. Ecos bem diversos dos contidos em seu texto. Mesmo assim, e por isso mesmo (vai entender), adorei a sua espécie de satírica resenha bloguística, despretensiosa e cheia de humor. Gosto imensamente de me imiscuir labirinticamente por obras literárias, mas também de perceber como podem ser tratadas de modos tão diversos. Às vezes é bom não levar tudo tão a sério. Adorei e vou ler mais. Um dos melhores momentos:

    "Orlando usa 250 páginas para descrever mais de três séculos, enquanto Ulysses leva 800 pra descrever um único dia, o que me leva a crer que Joyce provavelmente seria um puta flooder no twitter".

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