quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Dias na Birmânia - Orwell

Li Revolução dos Bichos, do Orwell, quando ainda era criança. Doze anos, acho, começo dos anos noventa, exatamente quando o império descrito no livro acabava de cair. E, na época, eu ainda não entendia nada, mal tinha aprendido a História da qual a história era a metáfora, mas não consegui deixar de me impressionar com o relato de poder, crueldade e traição. Era um dos primeiros livros "sérios", "adultos", que eu lia.

Devo ter relido uma vez ou outra, no meu tempo de adolescente esquerdista, mas foi com olhos tendenciosos, procurando ali alguma bobagem em defesa do trotskismo. Algum tempo depois, emprestei meu Animal Farm para alguém, e nunca mais a vi. Em 2003, achei uma edição baratinha, de bolso, e pela nostalgia, comprei. Reli. Me lembrava de tudo, absolutamente tudo, cada palavra. Alguns trechos me vinham inteiros de volta, antes que eu terminasse de ler. Eu não tinha noção do quanto aquele livro havia me marcado. Por essa época eu também já tinha lido o 1984, e não tive dúvidas, então, de que Orwell era um dos meus autores preferidos.

Esquisito era que de um dos meus autores preferidos, até duas semanas atrás, eu só tivesse lido dois livros. Decidi corrigir isso, começando pelo Dias na Birmânia, primeiro livro de ficção da carreira dele. O romance foi escrito com todo o conhecimento de causa de quem havia passado cinco anos de sua juventude servindo ao Império Britânico nas Índias. As cores riquíssimas com que ele pinta as florestas tropicais, as danças, as roupas e os costumes locais certamente ajudaram muito nas vendas, afinal a galera curte muito um exotismo. Como se a história não fosse boa, também.

A narrativa começa com U Po Kyin, um magistrado corrupto, conspirando contra o Dr. Veraswami, um alto funcionário local. Ele nem tem nada pessoal contra o médico, só quer mesmo derrubar o prestígio dele para aumentar o próprio. Veraswami, por acaso, é o melhor amigos de John Flory, e essa ligação com um homem branco é a única proteção que ele tem. Mas não ajuda muito, já que nosso "herói", funcionário de uma madeireira inglesa servindo em Mianmar, é um puto loser. O cara é um dos poucos pukka sahibs nas Índias e o único na cidade que tem idéias um pouquinho mais liberais e não tem preconceito com os nativos, mas belas bosta, se por qualquer pressão dos colegas ele se alinha sempre do lado dos ingleses.
A coisa piora quando Elizabeth chega a cidade. A garota é uma espera-marido sem vintém, esnobe e metida, e já chega perfeitamente aclimatada à sociedade local. Ele se apaixona, talvez não por ela, mas pela esperança que ela representa, a última que tem de levar uma vida minimamente normal (afinal, ela é provavelmente a única moça branca casadoira num raio de uns 100 km). Aí, você vê. O cara é contra o imperialismo, apaixonado pelo país, mas fica sempre do lado dos brancos, faz questão de casar com uma mulher branca, não hesita em deixar de lado seu melhor amigo indiano só para não perder o prestígio entre os brancos. O cara é um puto loser, eu avisei. Ainda assim, é um livro sensacional, não apenas como romance, mas pelo valor histórico. Ele é um relato de primeira mão de como as coisas eram de verdade nas colônias britânicas, até o começo do século passado.

Um comentário:

  1. Genial, como os demais livros do Orwell. Reli esse livro recentemente. Acho magistral a forma com que a narrativa nos faz sentir piedade e raiva do Flory ao mesmo tempo, dá vontade de dar um chacoalhão nele pra ver se ele toma rumo. Mas no final das contas até me simpatizo com o personagem, afinal, não temos todos um pouco dessa insegurança dentro de nós?

    ResponderExcluir