sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Crime e Castigo






Começar aqui com um desses classicões que todo mundo fingiu que leu: Crime e Castigo. Sério, gente, não é pecado nenhum não ter lido Crime e Castigo, ou qualquer coisa do Dostoiévski, for that matter. Não tou aqui pra justificar a falta de leitura da galera, e muito menos pra disseminar a erudição de orelhada. Me explico.

Pra começar: o livro é grande. É tudo muito grande, o que me faz pensar que o twitter não deve ter dado muito certo na Rússia. Eu tenho pra mim que russo adora um livro grande por que o país é grande, veja bem. Imagina você, moscovita, pegando a Transiberiana pra visitar os parentes em, sei lá, Vladivostok. Eu não sei quanto tempo é de viagem, colega, mas é muito tempo. Você tem que ter alguma coisa pra fazer no trem, e como naquele tempo não tinha celular com televisão, você lia. Era estrada suficiente pra acabar com todo um lote de revistinhas de sudoku, tricotar uns quatro casacos de malha, e ler os dois volumes de Crime e Castigo.

Enfim, voltemos ao assunto. Eu dizia que não era pecado não ter lido Crime e Castigo, primeiro, por que o livro é grande - quer dizer, a gente pode ter todas as boas intenções do mundo, mas com as demandas que a vida traz, é difícil manter a erudição com um monte de roupa no tanque pra lavar. Eu li o livro há dez anos, quando ainda não tinha nem 10% de toda a responsa que tenho agora, e ainda assim demorei à beça pra terminar. Segundo, por que as traduções que a gente tinha, até pouco tempo atrás, eram bem pouco atraentes. Faz o que, uns cinco, sete anos que saíram as traduções direto do russo pela editora 34? As que a gente tinha antes - aquelas que eu li, que teu professor de literatura leu, e que teu ex-namorado metido a intelectual jurou que leu - vinham do francês, uma tradução da tradução. Os textos eram mais pedantes e mais certinhos, mal deixavam transparecer que o autor, tal como os próprios personagens, era um fodido, um perturbado, um coitado meio maluco. Enfim. Se você, leitor, se decidir a ler a obra agora, eu recomendo fortemente pegar a tradução nova. Além de tudo a coleção inteira está bem bonita, com ilustrações de artistas plásticos de nome; as do Crime e Castigo são gravuras do Evandro Carlos Jardim.

Mas de volta ao livro.

Vocês sabem, mais ou menos, a história, não? A coisa não está tão fresca na minha memória, então, se eu falar alguma besteira muito grande, me corrijam. Tem o Raskolnikov, moleque, estudante e cheio de dívidas, tem a velhinha agiota que ele mata, tanto pra ficar com a grana quanto por que ele se acha no direito, e tem a Sônia, a menina que sustenta a família se prostituindo, que é a pessoa mais sã no livro todo. A ação se passa em São Petersburgo, mas 90% do livro se passa dentro da cabeça do Raskolnikov. O garoto se vê meio como um justiceiro, quase como um anjo vingador, alguém que livra o mundo de um ser desprezível, e usa seu dinheiro para praticar o bem - em primeiro lugar a si próprio, afinal, farinha pouca meu pirão primeiro, né não? A maior parte da bravata pós-crime é culpa mal disfarçada, e em parte é essa culpa que acaba deixando a polícia desconfiada. A cena do crime em si também está bem longe de configurar um crime perfeito - afinal ele não assistia CSI, e deixa um monte de pistas, que a polícia vai seguindo. E mais ou menos nesse ponto da história eu mesma acabei cometendo um crime...

Crime: espiar o final no fim do livro. Castigo: frustração. SPOILER ADIANTE.

Pois nessas de vai-não-vai, prende-não-prende, eu já estou tão seduzida pelo diálogo interno do guri Raskolnikov que acho mesmo que ele devia ter matado a velha; matasse quinze velhas, se preciso fosse. Mas vejo no final do livro que ele acaba, mesmo, preso. Na real, eu fui burrinha e não percebi que o próprio título trazia o spoiler: crime e CASTIGO, não é? Mas sabem, eu tenho essa tendência a torcer um pouquinho pelo criminoso. Curto muito esse lance de assassinato, ainda mais quando é esperto, bem feito, todo redondinho, deixando nenhuma pista ou só aquelas pistas ótimas que confundem os detetives. Mas o fato é que Raskolnikov is no Moriarty, tampouco Crime e Castigo é um romance policial. O livro foi escrito por um moralistão, um cara perturbado demais, culpado demais, pra ser capaz de deixar barato um crime desse tamanho sem um castigo de acordo.

O que não me impede de, na minha pretensão, propor um fim alternativo para a história. No meu final, em vez de se ver nos campos gelados da Sibéria, com a coitada da Sônia, conformada, o acompanhando, Raskolnikov se vê, com toda a grana de todas as velhinhas usurárias da Rússia, numa praia do Rio de Janeiro, uma mulata do Sargentelli em cada braço e nenhuma culpa no cartório. Claro que pra isso a gente teria que mudar o título. Eu proponho Crime e Fuga Espetacular Para os Trópicos.

Dava até filme, vai dizer que não.

7 comentários:

  1. Olha, li Crime e Castigo esse ano e sabe; achei chato à beça. Como disse um amigo, o livro é basicamente: matei a velha, mimimi, tô triste. (deve ser pq minha cabeça tá acostumada com Bianca-Julia-Sabrina).
    Beijo, conheci teu blog agora e tô curtindo.

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  2. é, gatam, acho que sua cabeça tá muito acostumada a bianca-julia-sabrina.

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  3. ótima a explicação do porque dos livros russos serem imensos.

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  4. Primeiro, vou falar um clichezão que costumo repetir quando estou bêbado e alguém começa a falar de literatura: Dostoiévski criou personagens mais críveis que certas pessoas de carne e osso que vim a conhecer.
    Em seguida, vou pagar de quem manja da obra do cara (o que é falso) e dizer que me decepcionei com o final do livro e não curto a pegada redencionista dessa fase posterior. Prefiro aquele Dostô (intimidade) pessimista de Memórias do Subsolo, um livro que tem eco em A Queda, de Camus (mas não com a mesma clareza, nem o mesmo brilho), e cuja autodestruição do personagem junto com os valores contemporâneos é coisa mais que linda.
    Eu queria ver o Raskolnikov morrer putão, não se redimir no amor. Mas, né?

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  5. Li C&C por conta da minha pobreza. Péra, eu explico: amigo meu, rhyco, comprou uma pacotada de livros e mandou entregar na minha casa "ó, comprei e tô enviando pra sua casa porque cê sabe encapar com contact, depois de encapar e ler tudo, cê deixa lá em casa". Tinha toda uma vontade porque, né, mano Dosta, erudição, todo mundo (diz que) ama o livro e tals. Do começo até o meio, fiquei meio decepcionada. Porque, tipos, o crime é bem no comecinho e aí me perguntei "gente, mas só isso de crime? daqui pra frente é só castigo?". E foi. Sabe quando você tá lendo uma coisa e está achando sensacional, mas booooring? Numa vibe A montanha mágica? Então. Tem uma hora que o monólogo interior do Raskól dá canseira, mas, ó, super acho que vale do mesmo jeito. Várias pessoas com quem conversei sobre disseram a mesma coisa: que lendo o livro se chatearam horrores, mas só depois de acabar a última página tiveram, sei lá, uma epifania (não clariceana, please) do quão grande (aqui não no sentido de extensão) a obra é.

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  6. Só pra esclarecer: Acho que Memórias do Subsolo tem mais clareza e brilho que A Queda. Fiz uma confusão de sujeito no meu comentário anterior.

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  7. Eu não li Crime e Castigo. Sobre o final, tem um filme nacional inspirado nessa história que termina diferente: depois de enlouquecer de culpa, Nina vai à polícia confessar o assassinato da velha, mas está tão fora de si que atropela o depoimento e diz ter cometido o crime de umas três formas diferentes. A polícia acha que ela está alucinando e a manda embora. Ela termina mais doida ainda por não conseguir expiar a sua culpa. Acho interessante esse final em que o remorso em si é a punição.

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